domingo, 12 de abril de 2009

Virada pra lua

Quando voltava do Centro Cultural do Banco do Brasil, aqui em Brasília, dirigindo na via que dava no prédio, um estrangeiro pediu informação, com um sotaque carregado, sobre onde ficava o CCBB. Estava com uma cara feliz, brilho nos olhos, como uma criança à beira de se refestelar na Disneilândia. O motivo da alegria me parecia óbvio, ainda que o estranho não tivesse explicitado: ele estava indo ver a exposição Virada Russa.

Imagino que é assim que reagem os povos das nações milenares mais acostumadas com a riqueza e a beleza das artes plásticas. A oportunidade de ver Kandinski, Chagall, Maliévich e Rodtchenko, entre outros gigantes da vanguarda russa causa mesmo esse frêmito nos europeus. É a alegria de estar diante de uma arte suprema, única, que influenciou e ainda influencia artistas de todo o mundo. Nós deste país criança, pelo menos a maioria, não temos esse impulso. Somos ainda ignorantes e incautos.

Por isso ir ao CCBB para ver os russos deve ter a aura de um ritual. As 123 obras do Museu de São Petersburgo, uma coleção exuberante, é pra ser vista de joelhos. E mais de uma vez. Afinal, essa é uma chance raríssima de ver craques da arte mundial, como Chagall, que participa com a linda e conhecida tela Passeio (veja ao lado), com todas as característica que marcaram seu trabalho: leveza, cor e onirismo.

Na exposição Virada Russa, o visitante pode dar de cara também com o colorido impactante e multifacetado das obras de Kandinsky(foto ao lado), outro mestre do moderno, e de Kazimir Maliévich. Esse ganhou uma sala própria. O único. E não poderia ser diferente. Ele foi um dos maiores, se não o maior, incentivador de uma vanguarda – no plena acepção dessa palavra – que polemizou a Rússia e ainda guarda uma vitalidade impressionante.

De Maliévich, três das pérolas expostas são ícones do modernismo que, pessoalmente, não me agradam muito: a cruz, o quadrado(foto) e o círculo, figuras geométricas pintadas em preto sobre fundo branco. Refletem a complexidade de um artista em busca da forma simples e absoluta, mas com extremo rigor formal, e que acabou gerando a escola Suprematista, criada por Maliévich e da qual se tornou seu maior representante.

Ninguém pode negar a surpreendente coragem dos russos de perseguirem uma nova forma de arte. E é essa a grande percepção da Virada Russa, no CCBB. Ver um bando de artistas nas duas primeiras décadas do século passado, à beira da revolução soviética, desafiando a tradição com uma linguagem pictórica extremamente moderna. E você pensa como essa galera chegou a esse nível de experimentação tão fantástica num mundo, principalmente o russo da época, tão preso ainda ao passado.

Tão bacana quanto vislumbrar o futuro num passado distante, quase cem anos atrás, é ter a oportunidade de conhecer artistas fabulosos dos quais você nunca ouviu falar. Caso de Natalia Gontcharova (obra ao lado)e Pavel Filónov, a primeira, representante do raionismo, escola feita de abstração e pinceladas curtas e nervosas. O segundo foi seguidor supertalentoso do construtivismo. Desse, a tela Guerra com a Alemanha (foto abaixo), com todo seu detalhismo, simbologia e criatividade, é de tirar o fôlego.

Virada Russa é dessas raras exposições que ficam na memória. Uma aula de vigor e sensibilidade que educa e ajuda o visitante a entender um período da história de renascimento cultural invejável. Arrefeça sua ignorância e vá com urgência.

Cotação: 5

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